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Faculdade de Economia da UFBA em defesa da democracia - Nota da congregação

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A Congregação da Faculdade de Economia – UFBA realizou importante reunião hoje, 04 de abril de 2019, com expressiva presença da comunidade universitária, sobretudo estudantes. Discutiu-se a gravidade do atual momento para a democracia brasileira, a partir de uma proposta de um grupo de estudantes (cancelada antes da reunião) que implicaria a exibição de um filme de apologia ao regime militar instaurado em 1964 e encerrado em 1985.  O evento proposto, coincidentemente, ocorreria na semana em que grupos políticos de extrema direita comemoraram o aniversário do Golpe de 1964. Do ponto de vista legal, em primeiro lugar, é preciso enfatizar que a Constituição Federal no seu artigo 1º, sentencia que a República Federativa do Brasil "constitui-se em Estado Democrático de Direito". A desobediência a esse preceito constitucional é crime contra a nossa República.

O conhecimento e a ciência não vicejam sem a mais ampla liberdade. Atualmente, a Universidade tem sido alvo de agressões que objetivam desmerecer a sua história, o seu papel e as suas atividades. Tendo em vista a atual conjuntura política do país, manifestaram-se na reunião preocupações com a situação da Universidade, diante de tantas ameaças à liberdade de pensamento, de pesquisa, de ensino.

Neste momento, há no país uma forte campanha de grupos políticos de extrema direita para reescrever a história brasileira, a começar pela negação de que houve um golpe militar em 1964 e uma ditadura de 21 anos. O objetivo é ferir de morte as liberdades e o regime democrático no Brasil. Tradicionais e variados órgãos de imprensa têm se negado a referendar essa falsificação dos fatos históricos. Livremente, a Universidade, sobretudo pelos seus historiadores, debate interpretações diversas sobre esse período, mas não pode coonestar com a tentativa de fraudar a verdade tão crucial e dolorosa da história brasileira. Lembrou-se de que no exato dia de hoje, 04 de abril, toda a imprensa relata a notícia de que o Ministro da Educação tem a intenção de substituir os atuais livros didáticos, utilizados nas escolas do país, por outros que contem “a verdadeira história” do regime militar. Registrou-se que, diferentemente desse processo que vem ocorrendo no Brasil, há em países vizinhos – Argentina, Chile e Uruguai - uma cultura da sociedade, amparada em forte aparato de leis, de repúdio às suas experiências de ditaduras militares.

Além da história, os perigos estão no presente e ameaçam o futuro. Não podem ser subestimados. Em lugar da convivência plural e democrática, pretende-se impor um clima de caça às bruxas, insuflar o ódio, disseminar preconceitos, propagar a intimidação, calar o debate, interditar a liberdade de pensamento, cercear a livre expressão. No presente momento, é a democracia brasileira que está sob ameaça concreta. E a Universidade não pode ser força auxiliar desse desatino antidemocrático. Como alguém afirmou: a democracia não pode suicidar-se. Este foi o problema discutido pela Congregação da Faculdade de Economia.

Defendeu-se que a liberdade e a democracia são valores de todo o gênero humano, são valores universais. Assim, tanto os deveres da memória quanto as obrigações da justiça cobram de todos os democratas um pronunciamento claro, neste momento, para que não se repitam nunca mais as mortes, as torturas, o exílio como forma de Estado no Brasil.  Muitos professores e estudantes da Universidade brasileira foram vítimas de perseguições, inclusive assassinato, sem falar do clima policial imposto pelo decreto-lei 477 e destinado à repressão especificamente nas universidades.

É nesse contexto, é dentro dessas circunstâncias graves e reais, que se discutiu a questão da exibição, nas instalações da Faculdade de Economia, do filme 1964 – O BRASIL ENTRE ARMAS E LIVROS. Foram prestadas informações sobre o filme. Quem já o tinha assistido, relatou seu conteúdo de mentiras e fraudes sobre a história do regime militar. Não se trata de uma obra artística, cultural ou acadêmica, mas sim de uma peça de evidente apologia da ditadura militar e de fomento de furioso ódio e violência política. É uma exaltação da truculência, da prepotência, do arbítrio, da intolerância. Este é o conteúdo, a mensagem, a propaganda deste filme. Informou-se também que a produtora deste filme, com o significativo nome de Brasil Paralelo, já é bem conhecida pela sua trajetória de desapreço pela verdade e pela democracia, conforme seus materiais utilizados na campanha eleitoral do ano passado. Lembrou-se que no início do processo eleitoral, em agosto de 2018, essa produtora esmerou-se em propagar a acusação de que as eleições seriam fraudadas.

A Congregação foi informada da desistência da proposta de exibição do filme pelo grupo que se auto-intitula ESTRANHOS À UFBA. Nesse sentido, a reunião apoiou o fato, então já ocorrido, da suspensão da exibição do filme. A Faculdade, pelo seu espírito universitário, tem vocação para o livre debate de ideias, tem interesse pelo debate sobre a história brasileira recente. A Faculdade, pelo seu papel social e acadêmico, considera importante o debate aberto e livre sobre o período do regime de 64, para contribuir para o esclarecimento, a compreensão e o amadurecimento democrático, inclusive em benefício das futuras gerações.

Os espaços da Faculdade de Economia continuam abertos, desde sempre, para o uso de entidades e setores os mais diversos da nossa sociedade. Os critérios para a cessão das nossas instalações pautam-se pela exigência legal e legítima de que os eventos devem respeitar os princípios da democracia, dos direitos humanos e da cidadania. A Faculdade, assim como toda UFBA, está obrigada, pela sua natureza de instituição pública, a não acolher iniciativas que tenham o caráter de atentado ao Estado Democrático de Direito. As condições de funcionamento pacífico, respeitoso e em segurança para as atividades próprias da Faculdade não podem ser atropeladas por atos e propaganda em desacordo com os princípios democráticos e acadêmicos.

SALVADOR, 04 DE ABRIL DE 2019.

A CONGREGAÇÃO DA FACULDADE DE ECONOMIA DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA