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Em visita à UFBA, Diretor-Geral da OMC lista as "dez regrinhas" do bom negociador

Roberto Azevedo e o vice-reitor Paulo Miguez

"O sistema global de comércio é fundamental, porque impede que os países maiores imponham seus valores, suas vontades, sua economia sobre os menores." A definição é do embaixador Roberto Azevêdo, Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), que apresentou as regras gerais e os principais desafios da organização, em palestra na Reitoria da UFBA, na quinta-feira (31/03) - evento que faz parte do calendário de comemorações dos 70 anos da Universidade. 

Eleito em 2013 para o principal posto da OMC, Azevedo conseguiu aprovar o primeiro acordo multilateral da história da organização, criada em 1995: o Acordo para Facilitação do Comércio, na conferência de Bali (Indonésia), naquele ano. Em 2015, obteve novo êxito, em Nairobi (Quênia), com a aprovação do acordo que regula subsídios às exportações agrícolas, permitindo maior competitividade aos exportadores de países em desenvolvimento, como o Brasil. 

Ao lado do vice-reitor Paulo Miguez, do Assessor para Assuntos Internacionais Roberto Andrade, e de representantes das secretarias Estadual de Desenvolvimento Econômico e Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Emprego, ele conversou com uma plateia formada por representantes consulares de diversos países, empresários, professores e estudantes de vários cursos da UFBA. Após expor uma visão geral da Organização e os principais desafios à frente da OMC, Azevedo contou um pouco da sua trajetória pessoal (o embaixador é baiano e viveu em Salvador até a adolescência) e, por fim, transmitiu aos estudantes que aspiram a carreira diplomática suas "dez regrinhas" para o sucesso em uma negociação. 

Leia os principais trechos da palestra:

O que faz a OMC

A OMC hoje tem 162 países membros e cobre 98% do comércio mundial. Então, basicamente, tudo que vocês compram de importado está sujeito às regras da OMC e, de alguma forma, transitou de acordo as disciplinas da organização. Se pensarmos o comércio mundial como se fosse o trânsito, o que a OMC faz é assegurar que o tráfego flua bem. Nós definimos as regras do trânsito: como os carros trafegam, por onde eles vão, os conceitos básicos. Nós monitoramos para ver se os motoristas estão se comportando. A maior parte desse monitoramento é feita pelos próprios motoristas, que se policiam. São os membros da OMC fazem o monitormaneo, nós apenas os ajudamos nesse exercício. E também resolvemos conflitos: nos momentos em que os motoristas se desentendem, procuram a Organização. Nós temos o que chamamos de mecanismo de solução de controvérsias, que já resolveu 500 disputas desde 1995. Funciona muito bem. Se não funcionasse, os membros já teriam desistido do mecanismo.

Princípios centrais

Se fôssemos resumir as disciplinas fundamentais da OMC em seus princípios básicos, seriam dois. Primeiro, a não discriminação: você não pode, de acordo com as regras multilaterais dar um tipo de tratamento ao país "A" e outro tratamento ao país "B". Uma grande potência não pode tratar as importações de um determinado país, com o qual ele tem relações, de um modo favorável, e um outro, com o qual ele não tem relações, de maneira menos favorável. Há exceções específicas e bem delineadas, mas, em geral, esse é um dos princípios cardeais da organização. O outro é o tratamento nacional: uma vez que o produto, bem ou serviço cruzou a fronteira e pagou a tarifa de importação, o produto tem que ser tratado como um produto nacional, que não pode ser tratado diferente de outro produto fabricado localmente.

Sistema global de comércio

O sistema global de comércio é fundamental, porque ele, de certa forma, impede que os países maiores - as grandes potências econômicas e comerciais - imponham seus valores, suas vontades, sua economia sobre os menores. Esse é um ponto importante, porque evitamos o que chamamos de "unilateralismo", que ocorria muito, antes da criação da OMC, em 1995. Além disso, é um foro onde todos têm voz: o grande, o pequeno e o intermediário têm assento à mesa, e todas as decisões na OMC têm que ser tomadas por consenso - todos os 162 países têm que concordar. Senão, não se aprova. Isso dá uma legitimidade, uma universalidade ao trabalho que fazemos.

Bali, 2013: momento crítico

 Quando assumi o cargo de Diretor-geral, em 2013, a OMC pssava por momento crítico, de descrédito. A Rodada de Doha havia ido relativamente bem entre 2001 e 2008, mas, em 2008, nós tivemos dois elementos: em julho, uma reunião em Genebra que foi um absoluto fracasso, um impasse absoluto entre os principais atores. Em seguida, em setembro, começou a eclodir a crise financeira internacional. As coisas foram piorando, os EUA mudaram o governo... a partir dali, as negociações da Rodada Doha, em vez de convergir, passaram a divergir: a cada ano que passava, as posições se afastavam cada vez mais. 

No momento em que assumi, a OMC jamais tinha fechado um acordo multilateral sequer. Ora: uma organização multilateral não consequir fechar um acordo multilateral sequer, durante 18 anos, era uma situação crítica. Havia uma pressão enorme para que conseguíssemos fechar alguma coisa. Havia sobre a mesa a negociação de um acordo de facilitação de comércio, muito importante, que não tinha avanço há cinco anos. No momento em que assumi, em setembro de 2013, havia no texto 700 colchetes - vocês sabem que colchete, numa negociação, significa um ponto em que não há acordo. Então, dividido por dois, eram 350 pontos em aberto. A conferência ministerial aconteceria 90 dias depois. Aí começou uma grande maratona, porque havia, pelo menos da minha parte, a necessidade de conseguir esse acordo, senão a credibilidade da organização ficaria ainda mais prejudicada. Convocamos reuniões só com os embaixadores, e sentamos à mesa, virando noites. Às seis horas da manhã, estavam todos mortos - fomos vencendo pelo cansaço: as pessoas concordavam porque não aguentavam mais discordar. E assim foi, 90 dias depois da minha posse, numa luta incrível, tentando finalizar o texto. 

Quando fui embarcar para a conferência, minha esposa - que também é embaixadora - me perguntou: "fala a verdade, qual é a chance real de se conseguir um acordo em Bali?" Eu disse a ela: 10%. Não era uma opinião minha, todos que estavam acompanhando a negociação sabiam que seria muito difícil. As reuniões entravam pela madrugada - na soma dos cinco dias de reunião, dormi oito horas. No final da tarde de sexta-feira, último dia programado da reunião, ainda não havia acordo, e um jornal brasileiro chegou a publicar, na manchete de sábado, "Fracasso da Negociação". Mas, no sábado de manhã, nós conseguimos fechar o acordo! O hábito de que na OMC as negociações fracassavam já eram tão grandes, que o jornal nem esperou o final da reunião para noticiar o fracasso. E assim, nós conseguimos um primeiro grande triunfo, fomos muito bem sucedidos.

Nairobi, 2015: desafio

Dois anos depois, em Nairobi, a dúvida era: Bali foi uma exceção, ou iríamos conesguir continuar entregando resultados? Novamente, minha esposa perguntou: "qual a chance de acordo?" Eu disse: menores do que Bali. Na outra reunião, tínhamos 700 colchetes; nessa, não tínhamos sequer texto. E mesmo assim, com muita luta de novo, virando noites, conseguimos fechar um acordo extraordinário, cujo principal item foi a eliminação dos subsídios à exportação para produtos agropecuários. Era uma luta de longa data dos países em desenvolvimento - do Brasil em particular, grande exportador agrícola - , porque o subsídio à exportação agrícola é um subsídio direto, "na veia", pago no momento da exportação, que faz com que o produtor que está exportando esteja competindo não com o produtor de outro país, mas com o tesouro do outro país - uma coisa muito difícil, muito desigual. Conseguimos esse acordo, pelo qual já lutávamos há mais de 20 anos. E ficamos muito felizes com isso. 

Trajetória pessoal

 Fui chefe das negociações comerciais do Brasil na Rodada de Doha. Fui o defensor do Brasil nas disputas comerciais na OMC. É interessante, porque não sou advogado, nunca tive formação em Direito - na verdade, sou formado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Brasília. Mas a vida dá voltas, e quando começaram os grandes contenciosos em que o Brasil se envolveu (aeronaves - entre a Embraer e a canadense Bombardier -, algodão, açúcar), cuidava dos subsídios a esses contenciosos. Eu lia tudo, era meio cri-cri, e, no final das contas, sabia mais sobre os contenciosos do que as próprias pessoas que estavam cuidando do contencioso. Aí acabei me ocupando dessas coisas. É interessante, porque você aprende no detalhe, não só sobre o contencioso, mas sobre a estrutura de funcionamento da Organização. Depois, fui embaixador do Brasil em Genebra junto à OMC, e a partir daí resolvemos lançar a minha candidatura para a direção-geral, e fui designado Diretor-Geral em 2013. A partir dali, mudo de papel: não sou mais o representante do Brasil, mas o Diretor-Geral de todos os membros. Por isso, procuro não me manifestar sobre política interna dos países. 

10 mandamentos do bom negociador

Na saída de Nairobi, muitas pessoas me perguntaram: "como você conseguiu fechar esse acordo, quando ninguém esperava?" Um colega me pediu: "escreve aí algo sobre como agir numa situação como essa". O que aconteceu lá em Nairobi eu não vou falar nunca, vai para o túmulo comigo. Mas eu resumiria tudo em 10 regrinhas, muito curtas, que podem ser muito úteis aos alunos interessados em seguir a linha da negociação comercial: 

1) Conhecer o que se está negociando. Conhecer no detalhe, mais do que todo mundo que está negociando. Conhecer o assunto a fundo é fundamental se você quer ser um bom negociador - se não, esquece: não dá para improvisar na mesa de negociação.

2) Saber o que se quer da negociação. Isso parece óbvio, mas não é. Duas coisas importantes: primeiro, ter ambição, procurar conseguir o máximo possível. Mas a segunda coisa é ser realista: saber até onde você pode ir. Pedir o céu e as estrelas é fácil, mas você termina não tendo nada. Parar na negociação também é fácil. Andar na negociação é que é difícil. 

3) Entender o que o outro lado quer. Saber o que ele não quer é fácil, ele vai te dizer. Mas saber o que ele quer - e identificar o que ele pode querer - é muito importante.

4) Credibilidade. O negociador tem que se dar conta de que aquela não é a sua última negociação. Sua imagem chega na mesa de negociação antes de você: todo mundo te conhece. Então, nunca minta - você pode até omitir, mas mentir... é uma fria. É preciso honrar a palavra: se disser que vai fazer, tem que garantir. E tem que ser generoso: não adianta, no final de uma negociação, cantar vitória, porque a vitória absoluta para um lado é derrota absoluta para o outro - e isso não é um bom negócio para a próxima negociação em que você vá entrar.

5) Adaptar. Ter clareza de que a metodologia que funciona em uma negociação não funciona na outra. É preciso sempre encontrar a melhor forma de atuar em cada negociação.

6) Saber ouvir. Por mais que se conheça, é preciso ouvir o outro lado e ouvir a própria equipe. Sempre. Muitas vezes você aprende muito mais do que se imagina, se ouvir. 

7) A negociação não se esgota dentro da sala. Há pessoas fora da sala que estão olhando o que você está fazendo: são os famosos "stakeholders", ou seu "eleitorado". Você tem que assumir os riscos, mas saber que o que você está fazendo vai ser depois verificado por outros. 

8) Você sempre está aprendendo como negociar. A negociação é a vida. Mesmo sem saber estamos treinando negociação o tempo inteiro.

9) Energia, resistência e paciência. As negociações vão longe: demoram, demoram... e quando você pensa que elas acabaram, elas demoram mais ainda. Então, tem que ter paciência, não pode se precipitar nisso.

10) Química. Química pessoal. Você conhecer o negociador e ele te conhecer e confiar em você é fundamental. Eu já vi negociações malograrem por causa do relacionamento pessoal entre os negociadores, sem que tivesse nada a ver com a substância que estava na mesa - aquela coisa do "esse cara não vai levar isso de maneira nenhuma". Por incrível que pareça, ser simpático é muito importante.